quinta-feira, 23 de abril de 2009

Texto de Rogério de Almeida Freitas
Publicado na seção Opinião
sa revista OQ de Portugal

Ingenuidade e Ignorância

Define-se o antropocentrismo como a doutrina que considera o Homem como o centro ou a medida do Universo, sendo-lhe por isso destinadas todas as coisas. Em última instância, que pensa assim coaduna-se com as doutrinas finalísticas (deterministas) que ingenuamente supõem que todas as coisas foram criadas por Deus para propiciar a vida humana. Muitos ainda pensam assim.
Carl Sagan ponderava que se o Universo for realmente feito para nós e que se de fato existisse um Deus benevolente, nesse caso a ciência estaria fazendo algo cruel e impiedoso, cuja principal virtude era a de pôr à prova as antigas crenças da humanidade. Mas, se o Universo estivesse alheio às nossas ambições e ao nosso destino, a ciência estaria nos prestando o mais importante dos serviços, ao despertar-nos para a nossa verdadeira situação.
De fato, o que seria da humanidade se ainda estivéssemos vivendo sob a égide da crença fanática, das fogueiras inquisitórias que estacionavam a todo custo a mente humana na mais profunda ignorância antropocêntrica? Quantos homens e mulheres ligados às letras e às ciências tiveram as suas vidas ameaçadas ou foram violentamente obrigados a manterem-se dentro das normas ignorantes da época, por uma simples visão errônea e/ou ótica distorcida dos religiosos que julgavam ser o Homem o centro de tudo?
Hoje, com as descobertas científicas nos evidenciando a sensibilidade existencial, será que ainda é aceitável esse tipo de visão?
No dia 30 de Maio de 1416, Jerônimo de Praga foi queimado vivo por apoiar as teses de John Wycliffe e Jan Huss, que abertamente condenavam diversos aspectos das posturas do clero daquela época.
No dia da sua morte redentora, vendo que uma velha trôpega trazia um feixe de lenha para aumentar a fogueira, sorriu compreensivamente e pronunciou as palavras que passaram à história ”Sancta simplicitas!”
As suas palavras ecoam até os tempos modernos perante toda a presunção terrena. Se não rompermos com a ingenuidade das nossas presunções e com a ignorância dos nossos postulados, o que pode-ria “alguém lá de fora” pensar, ao olhar, sorrindo compreensivamente, para nós — seres terrestres — e para a nossa postura?